Conto | O Despertar de Aurora

Três da madrugada e eu diante de uma tela em branco do celular. Ditei algumas palavras enquanto o aplicativo transformava minha fala em texto e, quando terminei, vi que o máximo que tinha conseguido eram cinco linhas. Palavras que eu nem ao menos conseguia ler. Apaguei tudo logo em seguida. Não parecia o jeito certo de contar essa história. A minha história.

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Conto | O que fazer quando seu filho se perder

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IA: Olá! Eu sou Judite, bem-vindo ao nosso sistema de atendimento eletrônico da Passa Pano Seguros. É um prazer atendê-lo(a).

Nossos sensores auditivos identificaram alteração dos batimentos cardíacos causada por stress, por isso estaremos atendendo através do teclado: Continuar lendo “Conto | O que fazer quando seu filho se perder”

Conto | Alê e o boa noite, Cinderela

Patrícia

Patrícia acordou com a pior ressaca que sentiu na vida. A visão se firmou aos poucos e piscou várias vezes para o quarto parar de girar.  Assim que os poucos móveis pararam de se mover, ela teve certeza: não fazia ideia de onde estava.

Tentou levar a mão ao rosto, mas sentiu um tranco e olhou para os pulsos algemados. Fez força, mas as algemas resistiram e permaneceram presas no encanamento. O barulho do metal ecoou pelo quarto e sumiu aos poucos. Olhou para cima para conter as lágrimas e respirou fundo. O que está acontecendo?

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Conto | A fuga de Tarso

No início, quando apenas os deuses caminhavam por Tixasinece, Ptemo se cansou de perseguir o horizonte. Há muito ele havia prometido nunca parar de correr e o presente inalcançável, dado a ele pela deusa Dindoprefunda, havia lhe servido como um motivador. Agora, apenas o frustrava.

A cada montanha que escalava, caverna que desbravava, campo que percorria e depressão na qual se atirava, o seu espírito murchava. Todos eles eram presentes de deusas mães de seus filhos, todos eles um dia inflaram seu espírito de orgulho. No entanto, naquele momento, tudo o que sentia era frustração por ser incapaz de alcançar o horizonte.

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Conto | Chroma Key

Não notei quando a porta sumiu. Minha esposa e filhos tinham ido para o interior visitar a minha sogra. Demorei um pouco para processar a informação, constatar que onde havia a porta do nosso apartamento agora era uma parede lisa, sem qualquer ranhura.  Refiz o caminho quarto-sala umas dez vezes, mas o resultado era o mesmo: estava preso.

Começou como férias antecipadas. Tinha muito trabalho a fazer, concordamos que o melhor era ficar em casa, sozinho. A despensa cheia ia me dar a paz e o tempo que precisava para terminar o livro e deslanchar os novos projetos. Me considerava um bom marido e um pai decente.

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Conto | O Sexto Sentido do Caramelo

A missão de proteger o forte estava indo muito bem hoje. Um garoto tentou sujar o quintal com alguns panfletos, mas expulsei ele antes que pudesse deixar qualquer coisa no chão; o Fred apareceu, entregou algumas cartas e até acenou pra mim — nossa relação melhorou muito nos últimos anos — e uma pipa caiu perto da porta, mas nenhum dos meninos da rua veio pegar. Continuar lendo “Conto | O Sexto Sentido do Caramelo”

Conto | O Vilarejo Solar

Oram comprou uma passagem para Terra. Ele nunca planejou uma viagem tão longa, mas seu desejo era ir o mais distante possível de casa. Recém-inaugurada, a rota tinha pouca procura, o que a tornava perfeita.  Deixou seu futuro em suspensão. Até logo, Plutão.

Sonhou com areia e gelo, Caronte banhada em vermelho. Seus desfiladeiros profundos, o Sol frio e distante. Nada que lembrasse a Guerra das Cinco Luas. Voltou ao lugar em que conhecera Xion. De repente, um grito, uma explosão. Despertou pra solidão.

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Conto | Lady Ruby

Na penumbra, Maya não consegue ver o rosto do seu companheiro dessa noite e, portanto, não sabe se é feio ou bonito. Ah, mas ela arriscaria dizer que é bonito. É inegável que o homem impunha sua presença desde que entrara no quarto. Alto, ombros largos, corpo esguio e uma bunda redonda formando um belo contorno na calça social. Ela vê tudo isso na sombra da sua silhueta na parede, em um olhar furtivo. Seu perfume amadeirado e com um toque de tabaco enche o ambiente e ela engole em seco, meio inebriada. Continuar lendo “Conto | Lady Ruby”

Conto | Uma Quarta Qualquer

Miguel desembarcou do trem junto com uma multidão de outros torcedores. Ele havia se acostumado ao empurra-empurra do desembarque em dias de jogos e a torcida cantando a todo vapor. Hoje, escutava alguns pequenos berros isolados e o desembarque aconteceu sem nenhum empurrão. Apesar do número baixo de torcedores, Miguel enxergava um estranho e contido otimismo nos rostos dos que haviam saído de casa naquela quarta-feira fria. A previsão era de 20 mil pessoas, um público baixo para um jogo eliminatório do seu time, mas depois de uma derrota por 3×0 fora de casa e com o futebol que eles vinham jogando ultimamente, 20 mil loucos em uma noite daquelas era quase um milagre.

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