Conto | Uma Quarta Qualquer

Miguel desembarcou do trem junto com uma multidão de outros torcedores. Ele havia se acostumado ao empurra-empurra do desembarque em dias de jogos e a torcida cantando a todo vapor. Hoje, escutava alguns pequenos berros isolados e o desembarque aconteceu sem nenhum empurrão. Apesar do número baixo de torcedores, Miguel enxergava um estranho e contido otimismo nos rostos dos que haviam saído de casa naquela quarta-feira fria. A previsão era de 20 mil pessoas, um público baixo para um jogo eliminatório do seu time, mas depois de uma derrota por 3×0 fora de casa e com o futebol que eles vinham jogando ultimamente, 20 mil loucos em uma noite daquelas era quase um milagre.

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Conto | Mamihlapinatapai

João chegou no bar e procurou a mesa onde seus amigos estavam reunidos. Tirar ele de casa não era das missões mais fáceis, porém o aniversário de um de seus melhores amigos era uma daquelas ocasiões onde ele se obrigava a sair do buraco que chamava de lar. Não que ele não tivesse pensado em umas três ou vinte desculpas para cancelar. Ainda não havia achado a mesa de Carlos quando sentiu uma mão tocando seu ombro.

— Tá perdido, João? – disse Carolina, namorada de Carlos, seu amigo e motivo de ter deixado o conforto de sua toca.

— Um pouquinho – disse João enquanto aceitava o abraço de Carolina.

— Conseguimos arrumar uma mesa lá em cima. Tô indo lá fora fumar rapidinho, me faz um pouco de companhia?

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Resenha | Saga

(O texto abaixo não contém spoilers)

image2 - Resenha | Saga

A história de amor de Romeu e Julieta teve um fim trágico, mas como teria sido a vida de ambos, caso continuassem vivos? Será que o amor deles venceria tudo? Saga, de Brian K. Vaughan (obrigado por ter feito “Fugitivos”) e Fiona Staples é um Romeu e Julieta no qual os personagens decidem continuar seu amor e viajar por um universo “parecido” com o de Star Wars. OK, esse é um jeito muito raso para definir “Saga”, mas fica comigo que já explico porquê esse quadrinho é uma das melhores e mais apaixonantes obras dos últimos anos.

No quadrinho, acompanhamos a história de Marko e Alana, dois soldados em lados opostos de uma guerra que já dura tanto tempo que nenhum dos lados lembra o real motivo dela ter começado, porém, ambos os lados compartilham um ódio mútuo. Apesar da baixa probabilidade, Marko e Alana se apaixonam, fogem juntos e tem uma filha. Atrás deles, a fúria de dois exércitos que temem o que a união do casal e o fruto desse relacionamento representa para a guerra.

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Conto | Martha, My Dear

Arthur procurava por Martha. Enquanto os ônibus chegavam e partiam, só os álbuns dos Beatles o acompanhavam. Ela havia ligado pedindo que ele a encontrasse no ponto. Esses pequenos encontros no meio da semana ajudavam a driblar a solidão de um namoro que já andava cambaleante. Ele já havia terminado relacionamentos antes, afinal amores vem e vão, mas nunca havia sentido todo o resto acabar e só o amor sobrar.

Foi na primeira música de “Please, Please me” que a avistou. Arthur caminhou rumo a porta do ônibus, se inclinou buscando um selinho e encontrou uma bochecha. Era só o cansaço, ele pensava.

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Conto | Levon, a criança do Natal

Levon olhava para o relógio ansiosamente toda vez que a imagem da cabine de transmissão desaparecia da tela. Eram 22 horas da véspera de Natal e ele só conseguia pensar sobre o quanto queria estar em casa ao lado de sua esposa e filho. Detestava a ironia de que para dar uma vida mais confortável e melhor para eles, tinha que ficar longe pelo maior tempo possível. O mês de dezembro havia sido muito desgastante, mas isso era só uma impressão causada pelo ano inteiramente cansativo.

Ao fim da transmissão, Levon removeu seu equipamento, pegou as chaves do carro, desejou um feliz Natal para todos que, assim como ele, estavam longe de suas famílias trabalhando. Entre abraços e desejos de feliz Natal e aniversário, Levon se sentia mal por estar com tanta pressa e não ter mais tempo para dar atenção àqueles que considerava sua segunda família.  Continuar lendo “Conto | Levon, a criança do Natal”

Conto | A Escolha

O irritante barulho do despertador ecoou pelo quarto até João conseguir acertar o botão de soneca. Aproveitou que sua esposa já tinha saído para o trabalho e se espalhou na cama. A briga com o despertador se repetiu por mais quatro vezes, até João se dar por vencido e decidir levantar. Apesar da preguiça instalada em seu corpo, ele descansou de uma maneira que não conseguira nos últimos meses. A sensação de deixar toda a confusão dos últimos meses para trás era de ter tido um peso removido de seus ombros. Caminhou até o banheiro e deixou a água quente do chuveiro cobrir o seu corpo. Continuar lendo “Conto | A Escolha”

Conto | Descendo

Carlos correu em direção ao elevador, mas não conseguiria chegar antes dele terminar de se fechar. De repente, uma mão vinda de dentro do elevador segurou a porta. Carlos respirou aliviado e entrou.

“Obrigado ”,  disse Carlos com as mãos sobre o peito, tentando recuperar o fôlego.

“De nada ”, disse o senhor que trajava um impecável terno branco e aparentava estar na casa dos sessenta.

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