Conto | Subliminal

Canções me davam medo. Eu explicava o motivo de faltar às aulas de música, mas enquanto as professoras achavam engraçado, alguns colegas aproveitavam disso para zombar de mim. “Cagão! Lesado! Mentiroso.” Isso me afastava das pessoas, e eu era só uma criança. Hoje a música já não me dá medo. Aliás, ela é a minha arma. As coisas que eu via na infância quando fugia das músicas que hoje me são favoritas, se escondem de mim, mas meus instrumentos os revelam e os transformam em presas prontas para serem dominadas, aprisionadas; mantidas da mesma forma em que gravo minhas bandas prediletas na rádio ou meus solos de guitarra: Com microfones, gravadores e fitas cassete.

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Meus pais tinham uma banda chamada EVP. Eram famosos na região, coordenavam os principais eventos musicais da cidade e tinham até um ônibus de show. Esse ônibus perdeu o controle durante uma viagem para a região serrana. E foi assim que eles se foram.

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Conto | Sob os Olhos da Nova Espécie

Morremos todos os dias. O que fomos ontem não seremos amanhã. Nossas células se transformam a cada dia e fazem da água em nossos corpos vapor. Mas a memória é de rocha, assim como nossos feitos, sejam eles bons ou ruins.

Passei a vida inteira fugindo. De amigos que não me aceitavam, amores que não se interessavam ou mesmo da família que não me queria. Relacionamentos me faziam alvo de chacota e zombaria, por isso fugia. Percebia rápido quando não me aceitariam, e com isso aprendi a ficar invisível, discreto, misturado na multidão medíocre. Talvez seja esse o meu destino. Ficar só. E cá estou eu, na companhia de minha lente de aumento e minhas amostras. Continuar lendo “Conto | Sob os Olhos da Nova Espécie”

Conto | Aversão Profunda

Rafa não suportaria mais tempo sem comer. A greve de fome precisava acabar e Cris sabia como fazê-la.

“Tudo não passa de um mal-entendido”, pensava Cris, provando o molho picante favorito de Rafa que fizeram questão de servir no casamento. “A comida perfeita para o dia perfeito”, dizia provando com o dedo, sempre que Cris preparava o cozido.

A longa mesa de jantar estava arrumada. Não acendeu velas, pois sabia que Rafa não gostava do cheiro. A luz baixa seria o suficiente para um clima íntimo.

“Senti sua falta enquanto eu cozinhava”, disse Cris servindo-se do cozido.

E Rafa, nada dizia. Continuar lendo “Conto | Aversão Profunda”