Entrevista | Julia Romeu5 min de leitura

Conheci Julia Romeu no início deste ano, no primeiro encontro do Leia Mulheres Rio de Janeiro de 2017. Nós nos reunimos para falar sobre Hibisco Roxo, livro da nigeriana Chimamanda Adichie, reconhecida mundialmente como uma das melhores escritoras de sua geração.

Participei poucas vezes do encontro, é verdade, mas nunca havia visto tantas pessoas reunidas naquele grupo e interessadas em conversar sobre uma autora antes. Entre os vários rostos que se ergueram para falar sobre a obra, o de Julia logo se destacou. Sentada em um dos cantos da livraria e, a princípio, tímida, não demorou para que a voz de Julia chamasse a atenção de todos ali.

Qual não foi a nossa surpresa, então, quando descobrimos que ela havia traduzido Hibisco Roxo.

Simpática, bem-humorada e muito solícita, Julia contou um pouco sobre sua experiência com a obra e o que havia aprendido durante o processo de tradução, nos ajudando a entender um pouco mais o propósito de Chimamanda ao escrever o livro.

É claro que não perdi a oportunidade de tirar uma foto com ela e perguntar se ela gostaria de participar de uma entrevista para o Conte Histórias. Feliz em compartilhar um pouco de sua história, Julia aceitou prontamente.

Conte Histórias: Há quanto tempo você trabalha com tradução e como você começou nessa área?

Julia Romeu: Trabalho com tradução desde 2002. Comecei traduzindo artigos para a revista Seleções, fiz alguns livros para lá e, depois de mandar currículos para várias editoras, recebi um livro da Record. Conforme os editores foram conhecendo meu trabalho, fui sendo chamada para traduzir para várias editoras.

CH: O que te motivou a trabalhar como tradutora?

JR: Eu sempre me interessei por tradução. Desde criança, buscava as traduções das letras em inglês das músicas que ouvia. Quando me formei em Jornalismo, peguei trabalhos de diversas naturezas e foi natural que a tradução estivesse entre eles.

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Foto: Daniele Paiva
CH: Existem livros, autores ou tradutores que inspiraram seu trabalho?

JR: Sou inspirada a traduzir os autores que amo e que ainda não estão disponíveis em português. Eu mesma sugeri a tradução de Northanger Abbey, da Jane Austen, para a Best Bolso e de A Juvenília, de Jane Austen e Charlotte Brontë para a Penguin/Companhia, por exemplo, pois essas obras não estavam disponíveis na época para o leitor brasileiro e eu queria compartilhá-las. Os livros sobre tradução que mais me inspiram são Miséria e esplendor da tradução, de José Ortega y Gasset, e Escola de tradutores, de Paulo Rónai.

CH: Qual foi o primeiro livro que você traduziu?

JR: Eu traduzi alguns livros condensados para a Seleções e confesso que não me lembro qual foi o primeiro. O primeiro livro inteiro foi O beijo, da Danielle Steel, para a Record.

CH: Qual foi o livro que você achou mais difícil traduzir? E o que você mais gostou? Existe algum trabalho que tenha marcado você de maneira mais profunda?

JR: O livro mais difícil foi Absalão, Absalão, do William Faulkner. Ah, eu gostei de muitos. Os dois que mencionei acima, Peter Pan, de J.M. Barrie, que fiz para a Zahar e Os livros da selva, de Rudyard Kipling, que fiz para a Penguin/Companhia, estão entre os mais amados. Todos os livros nos marcam de uma maneira ou de outra, mesmo os que não amamos tanto, pois traduzir é ter uma relação muito íntima com a obra.

CH: Quais são os desafios da profissão?

JR: O principal desafio é que a profissão não é tão valorizada quanto deveria. O tradutor é quase um coautor da obra, então ele tem que ser escolhido com cuidado e ter boas condições de trabalhar, ou seja, ter tempo, ter boas ferramentas de consulta para fazer o trabalho, ser bem remunerado e, depois de o trabalho estar feito, ser reconhecido. Nas resenhas dos livros que saem na mídia, muitas vezes o tradutor sequer é mencionado, ou só é mencionado quando a tradução está ruim e incomoda o resenhista. Quando está boa, fica invisível. Não devia ser assim.

CH: Você trabalha só com inglês ou outras línguas também?

JR: Só com inglês.

CH: Como você enxerga o mercado de tradução hoje no Brasil?

JR: Acho que está ficando mais profissional. A qualidade dos tradutores está melhorando muito, até porque estão surgindo vários cursos de especialização na área. Para que melhore mais, é preciso que o público preste mais atenção nas traduções e exija traduções de qualidade, não só nos livros, mas também nos filmes e programas de televisão.

CH: A linguagem também traz em si muito da cultura de um povo. Como é trabalhar tão diretamente assim com outra cultura? Você sente dificuldade com diferentes expressões? Você aprendeu um pouco mais sobre outros lugares? No caso de Hibisco Roxo, como foi trabalhar com uma cultura tão diferente para nós como é a nigeriana?

JR: É muito interessante trabalhar com culturas tão diferentes e é um dos maiores prazeres que a tradução me proporciona. O trabalho de tradução envolve muita pesquisa sobre as mais diferentes áreas, algo que adoro fazer. O significado das palavras de uma mesma língua, como o inglês, muda com o tempo e de país para país, então é muito importante que seja feita uma pesquisa sobre a cultura do autor para nos aproximarmos mais da obra. Quando traduzi Hibisco Roxo, procurei ler artigos sobre o livro, entrevistas da Chimamanda Adichie, material sobre a história e a geografia da Nigéria. Tudo isso me ajudou muito na tradução deste e dos outros livros dela. Eu não sabia nada sobre a Nigéria, e agora sou fascinada pelo país. Os livros têm a capacidade de nos transportar para qualquer lugar, e isso é maravilhoso.

CH: Você tem algum contato com os autores traduzidos por você?

JR: Nunca tive. Espero algum dia comer fufu e sopa de onugbu com a Chimamanda Adichie!

CH: Qual é seu livro preferido?

JR: Orgulho e preconceito

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